segunda-feira, 30 de janeiro de 2012


Eu dormia no cimento frio e cheio de formiguinhas.
Quando eu abria os olhos eu procurava por sinais do Sol além das grades e além do piso superior, tudo em ferro e aço, nunca compreendi o que eu via, uma confusão de linhas escuras, grades metálicas, arames trançados, uma parede, tudo no andar de cima. Em algum lugar batia a luz do Sol. Havia só um pequeno espaço por onde se podia ver o céu. Só no último dia eu vi por uns poucos minutos o brilho do Sol se arrastando pela parte de cima da cela que eu compartilhava com mais dois. Mas uma nuvem deve ter passado na frente do sol e a luz se foi. Pensei que poderia estar sonhando. Foi tão pouco tempo, havia sido ainda tão pouco tempo, mas minha mãe havia morrido e já havia morrido a muito tempo. Eu já perdera tudo, já tinha cruzado as cortinas de pêndulos coloridos e entrado nos filetes de fogo frio de cores diversas e sempre em mutação. Agora eu só precisava ver os sol ou pelo menos seu reflexo na parede úmida e cinza. Ele tinha aparecido e sumira tão depressa. Mas de repente ele voltou. E andou pela parede e as sombras das grades se moveram para a esquerda e eu esperei, parecia que mais nuvens iam ocultá-lo. Sentia calafrios devido ao sono estranho que tivera, devido ao medo das formigas, devido às dores nas costas e na cabeça pela noite passada deitado no chão duro de cimento frio. E pelo medo de não ver o Sol pela última vez quando num instante inesperado, por uns 10 segundos vi a ponta de uma globo resplandecente brilhando no alto, do outro lado de todas as grades, além da cela dentro da cela. Tinha que acreditar que era O sol e não apenas um reflexo seu. E só podia ser o Sol. Não vi o seu disco completo, só um pedaço como num eclipse e ele logo passou e se foi. Mas foi tudo o que eu precisava. Tudo o que eu precisava para reaver minha esperança. Tudo o que eu precisava para voltar a acreditar na Realidade, a ter certeza de que não estava sonhando, não estava sonhando um sonho mau. O Sol brilhou, refletiu sua luz, passou, se foi. Mas ficou em mim.
Nunca mais me abandonou. Mesmo depois da transferência, depois dos murros e chutes dados por guardas, da hora sombria em que atravessei o pátio do C.D.P. e caminhei até a cela que se fechou atrás de mim num rangido de ferro e um estrondo, mesmo depois que escureceu e a noite chegou no primeiro dia de dez no castigo, depois que deitei com outros infelizes num outro chão de cimento irregular e gelado e reprimi a consciência das dores que sentia no corpo e voltei a lembrar de minha mãe...ao me recordar dos poucos segundos do Sol, minha esperança se reacendeu.
O Sol se foi de minhas vistas e fugiu de minha memória à noite e voltou ao acordar de madrugada e voltou ao acordar e procurar por ele de manhã. O Sol escapou do escrutínio de meus olhos.
Mas nunca mais me abandonou.

Primeiro amigo.

A Morte deve ter sido meu primeiro amigo da infância. Sabe, eu fui filho único, tinha muitos primos, mas no meu dia a dia, em casa, estava sempre só com meus pensamentos, sentimentos e outras coisas que não sei se têm algum nome, nem sei se minha memória daqueles tempos longínquos me engana e cria fantasias para preencher os espaços vazios. Pais não são amigos. Não sei o que são, mas não são amigos. Meu pai pelo menos jamais chegou sequer perto de ser um amigo, pelo contrário. Amigos da infância são da mesma idade. A Morte, por quem me afeiçoei, devia ter a mesma idade que eu, bom, talvez um pouco mais velha e também mais sábia e conhecedora de segredos que não estavam ao meu alcance. É bom ter amigos estúpidos para você parecer mais inteligente do que eles, mas também é bom ter amigos mais inteligentes para aprender com eles e para que eles o protejam e o instruam. Eu gostava de representá-la para duas primas minhas que às vezes vinham em minha casa, desenhando numa pequena agenda Pombo, que eu mal tinha ideia do que se tratava, a agenda, caveiras com grandes buracos no lugar das órbitas oculares. Eu me lembro que as duas, e pelo menos uma delas mais do que a outra, não me recordo se a mais velha ou a mais nova, dava gritinhos de horror dizendo que tinha medo. Mesmo naquela época, quando eu tinha entre 4 e 5 anos, achava inacreditável que aquelas demonstrações de medo fossem autênticas. 

Achava difícil acreditar que alguém, mesmo uma criança, fosse se asustar com um desenho numa folha de uma mini-agenda.