Eu dormia no cimento frio e cheio de formiguinhas.
Quando eu abria os olhos eu procurava por sinais do Sol além
das grades e além do piso superior, tudo em ferro e aço, nunca compreendi o que
eu via, uma confusão de linhas escuras, grades metálicas, arames trançados, uma
parede, tudo no andar de cima. Em algum lugar batia a luz do Sol. Havia só um
pequeno espaço por onde se podia ver o céu. Só no último dia eu vi por uns
poucos minutos o brilho do Sol se arrastando pela parte de cima da cela que eu
compartilhava com mais dois. Mas uma nuvem deve ter passado na frente do sol e
a luz se foi. Pensei que poderia estar sonhando. Foi tão pouco tempo, havia
sido ainda tão pouco tempo, mas minha mãe havia morrido e já havia morrido a
muito tempo. Eu já perdera tudo, já tinha cruzado as cortinas de pêndulos
coloridos e entrado nos filetes de fogo frio de cores diversas e sempre em
mutação. Agora eu só precisava ver os sol ou pelo menos seu reflexo na parede
úmida e cinza. Ele tinha aparecido e sumira tão depressa. Mas de repente ele
voltou. E andou pela parede e as sombras das grades se moveram para a esquerda
e eu esperei, parecia que mais nuvens iam ocultá-lo. Sentia calafrios devido ao
sono estranho que tivera, devido ao medo das formigas, devido às dores nas
costas e na cabeça pela noite passada deitado no chão duro de cimento frio. E
pelo medo de não ver o Sol pela última vez quando num instante inesperado, por
uns 10 segundos vi a ponta de uma globo resplandecente brilhando no alto, do
outro lado de todas as grades, além da cela dentro da cela. Tinha que acreditar
que era O sol e não apenas um reflexo seu. E só podia ser o Sol. Não vi o seu
disco completo, só um pedaço como num eclipse e ele logo passou e se foi. Mas
foi tudo o que eu precisava. Tudo o que eu precisava para reaver minha
esperança. Tudo o que eu precisava para voltar a acreditar na Realidade, a ter
certeza de que não estava sonhando, não estava sonhando um sonho mau. O Sol
brilhou, refletiu sua luz, passou, se foi. Mas ficou em mim.
Nunca mais me abandonou. Mesmo depois da transferência,
depois dos murros e chutes dados por guardas, da hora sombria em que atravessei
o pátio do C.D.P. e caminhei até a cela que se fechou atrás de mim num rangido
de ferro e um estrondo, mesmo depois que escureceu e a noite chegou no primeiro
dia de dez no castigo, depois que deitei com outros infelizes num outro chão de
cimento irregular e gelado e reprimi a consciência das dores que sentia no
corpo e voltei a lembrar de minha mãe...ao me recordar dos poucos segundos do
Sol, minha esperança se reacendeu.
O Sol se foi de minhas vistas e fugiu de minha memória à
noite e voltou ao acordar de madrugada e voltou ao acordar e procurar por ele
de manhã. O Sol escapou do escrutínio de meus olhos.
Mas nunca mais me abandonou.